A transparência parece ser a palavra mágica para o jornalismo do futuro. Num ambiente em que os valores tradicionais como objetividade, imparcialidade, isenção, fidedignidade e veracidade estão sendo submetidos a um processo de intensa relativização, a busca da transparência informativa parece ser uma das poucas coisas sólidas no novo universo jornalístico.
A relativização de valores quase seculares no jornalismo é uma conseqüência da avalancha noticiosa gerada pela internet e que está provocando uma diversificação de fontes informativas inédita na história da humanidade. Tudo aquilo que considerávamos sólido e consistente está se desfazendo ante o impacto de novas versões, enfoques e contextos diferenciados.
Trata-se de um fenômeno irreversível, que está afetando também outros setores da atividade humana e que é provocado fundamentalmente pela introdução de novas tecnologias de informação. O jornalismo é talvez de todas as áreas que lidam com informações, aquela que mais sofre com as mudanças em curso.
Um mesmo fato é transformado em notícia de diferentes maneiras por diferentes veículos de comunicação. A notícia é a representação de uma representação, ou trocando em miúdos: uma pessoa viu um fato e o reproduz para um repórter (primeira representação), que por sua vez conta o que ouviu na forma de um texto ou narrativa oral para publicação num jornal, rádio ou TV (segunda representação).
Neste processo temos que levar em conta quem está contando a versão original. Dependendo do fato e da pessoa, a primeira representação pode ter diferentes versões e significados. Por sua vez, o repórter também deve ser contextualizado, porque sua experiência profissional (para dar um único exemplo) vai levá-lo a destacar um fato, entre dezenas, na representação feita pela fonte original da notícia.
Se levarmos em conta que a notícia é cada vez mais um processo de representações sucessivas (fato onipresente no noticiário internacional onde um veículo reproduz o outro) não fica difícil perceber qual a incidência do fator subjetivo, ou seja o contexto de quem reproduz, no produto que chega ao leitor de um jornal ou telespectador de um programa noticioso.
A transparência pode ser definida como o conjunto de atributos de uma notícia que permitem identificar o maior número possível de contextos nas sucessivas representações pelas quais a informação passou desde a sua fonte primária até o consumidor final.
Transparência é saber, por exemplo, quanto um jornal ou emissora de televisão deve ao governo ou a bancos privados, qual a composição acionária da empresa ou os interesses corporativos e financeiros de seus proprietários, quais as ligações comerciais, institucionais e familiares dos jornalistas que compõem a redação de uma televisão ou de uma revista.
Isto pode ser essencial para os leitores, ouvintes, telespectadores e usuários de sites na Web identificarem possíveis interesses não revelados nas matérias jornalísticas. Não significa colocar sob suspeita todos os profissionais ou veículos de comunicação, mas sim de constatar as inúmeras variáveis condicionantes no processo de produção de noticias. Os jornalistas e donos de jornais não são culpados pela complexidade das representações informativas, mas podem e devem reduzi-las ao máximo porque isto garante o seu negócio, ou seja a credibilidade do público.
Acontece que o sigilo e o corporativismo são as regras hegemônicas na imprensa, em especial a brasileira, onde preocupações mínimas com a transparência, já adotadas em jornais americanos, por exemplo, são olimpicamente ignoradas. Os repórteres devem identificar outros empregos, contratos, clubes e até os empregos de esposas ou parentes próximos.
Aqui no Brasil não sabemos nada sobre os donos e os profissionais que produzem as notícias que consumimos diariamente e sobre as quais construímos nossas decisões e representações. Somos, portanto alvos perfeitos para a propagação de informações distorcidas e descontextualizadas. E quando os leitores constatam que as noticias estão sujeitas à manipulações não identificadas, quem perde são os jornais.
Sem transparência não teremos condições de sobreviver ao caos informativo gerado pela avalancha de notícias na Web. A perspectiva é a formação de enclaves informativos (clusters), nos quais grupos de pessoas criam o seu próprio ambiente para circulação de notícias. Pode ser uma solução de emergência, mas a longo prazo ela gera um problema ainda maior: a ausência de diversificação informativa. Mas sobre isto a gente fala mais adiante.
Texto: Carlos Castilho
Fonte: Observatório da Imprensa
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