Preservar a integridade das crianças e adolescentes em relação ao abuso ou exploração sexual é um dever de toda a sociedade. E para isso é preciso denunciar, através do Disk 100 ou Conselho Tutelar (3344-2911), qualquer suspeita de abuso ou exploração contra os menores.
Conforme os conselheiros tutelares Rafael Spagnol e Roberto Stein, apenas neste ano cerca de 15 casos suspeitas foram registrados no Conselho Tutelar de Tapejara. "Essas denúncias chegam através de telefonemas anônimos, algum familiar que nos procura ou por intermédio da escola, quando os professores percebem mudanças no comportamento de alguma criança", explica Spagnol.
Segundo os conselheiros o número de casos registrados no Conselho não reflete a realidade do município, pois sabe-se que muitas pessoas procuram diretamente a polícia ou "resolvem" a situação, sem buscar auxílio de nenhum órgão. "Depende muito da criança a disposição para falar. Elas chegam bloqueadas para conversar a respeito do caso ou sobre seu problema e isso demanda tempo de conquista e conversa, onde contamos com o auxílio de psicólogos", explica Stein. Equanto os conselheiros acompanham a família com audiências, visitas e interrogatórios, os profissinais da psicologia fazem o trabalho com as crianças ou adolescentes. Quando os casos são concluídos pela equipe, são encaminhados para a delegacia, para que as providências e cumprimento da lei sejam praticados.
Segundo Spagnol, o caso de abuso é disseminado entre crianças e adolescentes, com casos de crianças pequenas a adolescentes, sendo que a maior incidência é intra familiar. "Quem deveria ser o cuidador é quem está promovendo o abuso. Há um grande número de pais, padrastos e geralmente predomina o abusador do sexo masculino, além da pessoa em que a criança confia ou está vinculada ao grupo familiar", explica ele.
Relatos
De acordo com o conselheiro Rafael Spagnol, os principais relatos das crianças trazem basicamente questões de abuso envolvendo pessoas próximas. "A maioria traz muito medo, revolta e ansiedade, por que muitas vezes o suspeito é da família e eles tem receio de que a pessoa possa fazer mal. Outras vezes é essa pessoa que mantém a família e ela saindo de casa, pode passar a faltar coisas para as necessidades básicas. Ou em outras, essa pessoa ameaça a mãe", explica o conselheiro, que comenta que por esses motivos, as crianças vítimas de abuso são muito receosas e tímidas, mas com o tempo vão relatando suas histórias. "A criança vítima de abuso tem muito medo, evita contato. Se for dar um abraço, ela evita o abraço, é muito desconfiada", observa.
Mesmo vivenciando no dia a dia atos de violência e outras práticas que ferem os direitos das crianças e adolescentes, os conselheiros não deixam de se emocionar com alguns relatos que chegam ao órgão. Um exemplo, que aconteceu nos últimos dias, é de uma menina de três anos que estava sendo abusada sexualmente pelo avô paterno. A suspeita partiu da mãe da criança, mas o pai lutava em acreditar, pois a acusação pesava contra seu próprio pai. Depois de sessões com a psicóloga, a criança contou claramente o que acontecia e, juntadas as provas, o caso foi encaminhado à justiça.
Embora na maioria dos casos a vítima é menina, também existem casos de violência sexual contra meninos. Recentemente chegou ao Conselho Tutelar a denúncia de dois irmãos, de 7 e 9 anos, que estavam sendo abusados pelo padrasto. Veja, abaixo, gráfico fornecido pelo Conselho Tutelar, que retrata o perfil dos agressores:
Violência deixa marcas profundas
Para abordar um assunto de imensa seriedade e gravidade, em primeiro momento é necessário esclarecer os fatores que determinam o abuso sexual contra a criança e adolescente. O abuso sexual é uma situação em que a criança ou o adolescente é usado para gratificar o prazer sexual de um adulto ou até de um adolescente mais velho.
Inicialmente o abusador busca seduzir sua vítima com ‘iscas’ premeditadas, logo a domina através de uma relação de poder. Caracteriza-se o abuso sexual desde carícias nos órgãos genitais, pornografia, masturbação na presença da criança, o voyeurismo (manifesta-se de várias formas, embora uma das características-chave é que o indivíduo não interage com o objeto, por vezes, a vítima não sabe que está sendo observada, em vez disso, observa-o tipicamente a uma relativa distância, talvez escondido, o que servirá de estímulo para a masturbação, durante ou após a observação), a exploração sexual e até o ato sexual com ou sem penetração, com ou sem violência.
Este agressor em contato com a vítima tortura-a com pressões/agressões psicológicas, ameaçando-a de morte ou surras. Também recompensam a vítima com dinheiro, brinquedos, doces, entre outros atrativos, para que a mesma continue silenciando tais vivências e se sinta seduzida, envolvida com o abusador.
As crianças e adolescentes abusados sexualmente, podem não apresentar violência física (vestígios de hematomas), para que o agressor não seja descoberto, e deste modo continue satisfazendo suas perversões. As vítimas são ameaçadas para que mantenham o silêncio, entretanto, antes destes temores, elas são conquistadas e ganham confiança e afeto daquele que abusa.
Outra circunstância, de acordo com Azevedo, (2001) é quando o abusador goza de prestígio social, caso mais comum do que se imagina. Essas pessoas aparentemente respeitáveis acabam por manipular a situação de tal modo, que ficam parecendo vítimas de uma cilada e não os culpados.
A criança que sofre dessa violência física e psicológica é atraída exclusivamente para objeto de prazer sexual. É evidente que esta violência deixa marcas profundas no psiquismo das vítimas. Quanto mais tardar a descoberta, mais difícil será para a vítima revelar o abuso, pois acabam condicionadas pelo medo das ameaças, além de pensarem que se revelarem tal segredo será vista como cumplice e culpada. Nada estranho sentirem este sentimento, pois é o que o abusador constrói em seu psicológico.
Mesmo que a violência sexual não venha de um membro da família, os prejuízos psíquicos são de mesma gravidade. A criança que quebra o segredo, deverá sempre ser acolhida e direcionada a realizar psicoterapia/análise/terapia com um psicólogo, o que proporcionará melhorias nas sequelas psíquicas e físicas frente aos sintomas do trauma. Outras vezes só conseguirá verbalizar o abuso em tratamento psicológico, quando um responsável a leva por motivos de mau comportamento.
Com o tratamento psicológico, os pais também se fortalecem e podem, então, dar ao filho o apoio de que ele tanto precisa. A terapia em ambos, pais e filho, permitirá lentamente a reconstrução psíquica frente os danos sofridos desta violência devastadora.
Quando a vítima revela tal vivencia terá de enfrentar um turbilhão de sensações advindas do trauma causado, onde o psicólogo ajudará este paciente a visualizar, aos poucos, que ela nunca foi culpada ou cumplice. As cicatrizes irão diminuir, e sua vida não se estacionará por conta do trauma sofrido, tendo a oportunidade de reconstruir aquilo que mutilou seu emocional.
O abuso sexual pode gerar nas vítimas sentimentos ambíguos, conflituosos, como repulsa do agressor e, ao mesmo tempo, diante da sedução conduzida e vivida, poderá sentir piedade e solidariedade do mesmo. Ainda pode tentar apaziguar os fatos pelo temor de que as ameaças sobrevenham, por isso o dano adjetiva-se com vasta gravidade no psicológico da criança ou adolescente.
O manejo para romper e prevenir o abuso sexual é por meio de um maior preparo, não somente aos psicólogos, mas também aos pedagogos, professores, médicos e outros profissionais. Também, promover mais a população sobre esclarecimentos dos sinais e sintomas que a criança possa vir a apresentar.
Conforme a literatura especializada, alguns dos sintomas que a criança pode apresentar, ou seja, surgem alterações bruscas no seu comportamento habitual:
- Alteração do sono: agitação noturna; recusa para dormir; pesadelos;
- Alterações alimentares: falta de apetite; rejeição por certos alimentos que comia normalmente; enjoos; vômitos;
- Alterações comportamentais e psicológicas: agressividade; rebeldia; raiva; medos; isolamento; choro sem causa aparente ou sem justificativa apropriada; masturbação; urinar nas calças ou voltar a fazer xixi na cama; temor para defecar; mostrar-se vigilante com o que se passa ao seu redor; rejeição de certas pessoas ou animais; queixa de dores; desconfiança, autoestima rebaixada; negar-se a ir à escola; Alterações cognitivas: queda no aprendizado; ansiedade; depressão; pânico;
Diante das ameaças e seduções do abusador, a criança ou adolescente perde a confiança nas pessoas, sente medo, e assim silencia os fatos, sofrendo calada. Uma dica é sempre ouvir o que a criança tem a dizer, principalmente em ‘entrelinhas’ nas suas queixas e atentar-se com eventuais mudanças de comportamento.
Cintia Quissini - psicóloga
cintia_quissini@yahoo.com.br
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